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A vida real das empresas em um país de futuro incerto

A falta de clareza sobre o que vem pela frente - no governo e no Congresso - perturba o câmbio, os juros e torna mais nebuloso o cenário para empresas planejarem a saída da crise

A incerteza sobre a capacidade do governo de conduzir os ajustes na economia junto ao Congresso já provocou estragos grandes: a taxa de juros no mercado futuro subiu fortemente pela manhã e o dólar bateu em R$ 4,23 antes de encerrar o dia cotado a R$ 3,99 nesta quinta-feira (24/09). 

A queda ocorreu após o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, sinalizar de forma clara que as reservas internacionais, hoje em US$ 370,6 bilhões, podem ser usadas como uma forma de seguro. 

O fato é que antes disso a moeda norte-americana rompeu os fundamentos racionais da economia que sustentam altas deste tipo. Existe um problema de falta de confiança generalizada sobre se haverá uma saída para a crise política brasileira e, ainda, não há uma perspectiva clara quanto ao futuro.

E, assim, o empresário não consegue fazer planos e nem investir. Enquanto isso, acompanha de perto os números negativos desse ambiente de negócios. 

É esta a percepção de empresários dos diferentes segmentos da indústria, varejo e serviços, reunidos em um almoço na Associação Comercial de São Paulo (ACSP) nesta quinta-feira (24/09). 

O comércio, de forma geral, experimenta quedas sucessivas em um cenário que pode até ser pior do que o recuo de 5%, esperado para o fim deste ano.

Isso porque a massa salarial caiu 5,4% em agosto na comparação com o mesmo mês do ano passado. O crédito cresceu 9,6% na mesma base de comparação, mas, deflacionado, praticamente teve uma variação nula. 

Quem mais depende desses dois indicadores são as micro e pequenas empresas, que neste ano, devem proteger de todas as formas o caixa para sobreviver. 

Com o bolso mais vazio, o consumidor ainda enfrenta o medo do desemprego: a taxa, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cresceu 7,6% em agosto sobre igual mês do ano passado. 

A queda da confiança interrompe até as obras em residências, conforme constata o segmento de varejo de materiais de construção. 

Isso porque as grandes obras da construção civil também estão paralisadas e, bem antes, já haviam afetado a indústria do setor.

A venda de cimento, por exemplo, registra uma queda de 20%, o que mostra uma tendência negativa adiante.

A estimativa da Câmara Brasileira de Indústria da Construção (CBIC), divulgada nesta quinta-feira (24/09), é que o setor de construção civil perca 500 mil postos de trabalho em 2015. 

A crise no setor pode ser confirmada pelo que acontece na ponta: a queda nos lançamentos imobiliários e obras paralisadas, além de distratos (devolução) com as construtoras.

O endurecimento das regras da Caixa Econômica Federal nos financiamentos apenas acentua os problemas do mercado imobiliário. 

Ainda assim, é setor que se movimenta fortemente, pelo menos em São Paulo, em duas direções: de empresas trocando a locação de escritórios antigos por novos que oferecem um preço menor, e a procura de usados residenciais a um valor baixo pela classe média. 

Há quem veja no Plano Diretor a expectativa de valorização dos imóveis em São Paulo, no médio prazo.

"São Paulo tem uma energia endógena, diferente do que acontece com o país. Os fundos de investimento imobiliário começam a fazer novos investimentos nos próximos meses, só não se sabe em que segmentos do setor, já que os shoppings e galpões industriais estão superofertados", disse. 

QUEM AINDA ESTÁ BEM?

Apenas dois setores permanecem com números positivos na crise: farmácias e instituições financeiras. 

O varejo de medicamentos cresce de maneira volátil - em julho o faturamento subiu 15,4% sobre mesmo mês de 2014. Em agosto, a alta foi de 4,8% e no acumulado do ano, 10,6%. 

Apesar disso, representantes do setor disseram que há um perigo adiante: o encarecimento dos insumos importados para a indústria farmacêutica - que na prática, só "monta" os remédios no Brasil. 

A estimativa é que 80% dos produtos usados por essa indústria sejam importados e dependam do dólar. O repasse desse custo, por outro lado, não seria possível por causa das restrições na regulação governamental, que permite o reajuste anual. 

Uma saída, apontou outro empresário, será o incremento da venda de medicamentos genéricos. 

Outro que está no azul é o setor financeiro, por encontrar na adoção de tecnologia e nas agências digitais a redução de custos e o aumento da eficiência.

As receitas das instituições financeiras crescem com a oferta de serviços e também, por meio da terceirização e da rotatividade - ao admitir funcionários a um salário menor. Apesar disso, há uma forte preocupação com o crédito. O cenário para avaliar riscos é mais complicado com a atual volatilidade nas taxas de juros e de câmbio. 

INDÚSTRIA AINDA NÃO VÊ RETORNO DAS EXPORTAÇÕES 

Outros segmentos da indústria enfrentam desempenho negativo há mais tempo e não tem no radar ainda uma recuperação via exportações. 

A produção de eletroeletrônicos, por exemplo, caiu 25% no acumulado do ano sobre 2014, com as importações recuando 20% e as exportações, 14%.

Segundo o representante do setor, cinco mil funcionários têm sido demitidos a cada mês ao longo de 2015. "Ainda há a volta da cobrança de PIS e Cofins sobre os bens de TI (Tecnologia da Informação), o que tende a agravar o cenário", disse. 

O setor industrial, de forma geral, acumula prejuízo, mas o problema é que os números não param de piorar, principalmente puxado pela queda na produção de bens de capital, de 21% no acumulado deste ano. 

Não há perspectiva de melhora, ainda mais diante do excesso de estoques. No radar, há ainda a adoção de férias coletivas crescentes e percepção sobre o aumento de inadimplência da indústria diante da dificuldade de tomar crédito. 

É de forma bem pontual que a valorização do dólar atua nesse setor. Há empresas que já notaram que o dólar acima de R$ 3 torna o custo de produzir no Brasil igual ao da China. 

Algumas empresas, assim, elevaram exportações. Outras adotaram programa de substituição de importados.  Mas até agora a substituição tem amenizado o déficit de alguns setores, como o manufatureiro, que passou de mais de um saldo negativo de R$ 100 bilhões para outro um pouco menor: de cerca de R$ 80 bilhões. 

O setor têxtil, por exemplo, já tem 10% menos funcionários e a esperança é que os efeitos do câmbio favoreçam o setor apenas em 2016. A queda nas exportações neste ano foi de 8,4% e das exportações, de 3,4%.

O fato é que a falta de perspectivas trava os investimentos e, com isso, a indústria de máquinas e equipamentos ficou bastante prejudicada, com uma queda acumulada de 50% neste ano.

O setor tenta reagir se voltando para as exportações aos Estados Unidos e Itália. A esperança é a de que o dólar possa atingir um ponto de equilíbrio de R$ 4,50, o que geraria competitividade para exportar. 

A recuperação terá de vir mesmo de fora, já que o próprio Banco Central baixou a projeção para o investimento interno, medido pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF).

A expectativa acumulada em 12 meses até junho de 2016 é de recuo de 12,1%. Neste ano, o tombo dos investimentos deve ser de 12,3%. 

No Relatório Trimestral de Inflação (RTI), o Banco Central afirma que o cenário para a indústria brasileira continuará recessivo, com previsão de queda de 5% em 12 meses até o fim do segundo semestre de 2016. Em 2015, o BC prevê uma queda de 5,6% do setor industrial.

O setor de serviços terá queda de 1,2% em 12 meses até junho do próximo ano, tendo um recuo de 1,6% neste ano.

As projeções apontam que apenas o setor agropecuário continuará bem em 2016, com alta de 1,9% em 12 meses até o final do primeiro semestre do próximo ano. Para este ano, a previsão é mais otimista: de crescimento de 2,6%. 

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